O ano era 1921. Após a guerra mundial, a peste e a fome estavam afetando a população russa, especialmente no sul, e especialmente os recém-nascidos e os idosos. O Papa Bento XV levantou a voz para alertar o mundo inteiro sobre a tremenda tragédia que se abateu sobre aquelas terras. A ajuda começou a chegar quando a morte surpreendeu o Santo Padre. Foi Pio XI quem, na sua ânsia de entregar a ajuda em segurança e querendo dar testemunho de presença, na sua Carta Annus Fere aos Bispos de todo o mundo comunicou que “para maior eficácia e fruto desta beneficência, é absolutamente indispensável que a arrecadação e distribuição das esmolas seja feita com ordem e retidão, cabe a nossa diligência, veneráveis irmãos, recolhê-las, conforme a oportunidade das circunstâncias, e, uma vez arrecadadas, serão levadas por homens de nossa escolha ali onde a necessidade mais o exigir, e distribuído entre os mais necessitados sem distinção de nacionalidade ou religião’.
De fato, a notícia da fome na Rússia foi trágica. Em um relatório da Pontifícia Missão de Ajuda à Rússia, eles até escreveram: “as condições são extremamente dolorosas. Por exemplo, em algumas pequenas aldeias na Crimeia Ocidental, especialmente nas cidades chamadas Tupabash, Tupkinegah e Terklinabash no Mar de Azof, pessoas famintas começaram a ferver seus sapatos para fazer uma espécie de sopa de couro. As cenas nos hospitais onde os doentes e moribundos estão se acumulando são particularmente deprimentes. A falta de qualquer auxílio de saúde e higiene mínima é incrível se não se vê.”
Ao especificar os escolhidos pela Santa Sé, foram considerados os religiosos das congregações dispostas a cumprir esta difícil e dolorosa missão. Entre eles estavam os Missionários Claretianos. As outras três eram os Jesuítas, os Salesianos e os Verbitas. Os claretianos escolhidos foram os Pes. Pedro Volts, como responsável, e Ángel Elorz.
Em 24 de julho de 1922, embarcaram no vapor Galicia para cruzar o Adriático, o Golfo de Otranto, o Mar Jônico, o Golfo de Lepanto, a caminho de Istambul. Em 2 de agosto partiram para o Bósforo e o Mar Negro até a cidade de Odessa. Assim descreve Pe. Voltas a imagem daquela bela cidade antiga: “estava diante de nossos olhos como um cemitério gigantesco ou como um quarto para esqueletos errantes. Crianças esqueléticas que escapavam da vigilância daqueles que pareciam soldados a julgar pelo rifle que carregavam, se aproximaram de nós dizendo em russo: ‘Senhor, me dê pão, estou com fome'”. De lá, depois de alguns dias, pegaram o trem que em 24 horas os levou a Rostoff na Donu, seu destino. Os habitantes da bacia do Volga fugindo da fome foram parar lá, assim como os da região de Kouban e do Cáucaso. A superlotação de fugitivos, famintos e doentes era enorme. Antes da guerra mundial era uma cidade genuinamente comercial, graças à pesca e à agricultura.
Assim que eles chegaram, começaram uma atividade incessante colaborando com a Cruz Vermelha Italiana e a American Relief Administration, que na época estava começando a evacuar suas tropas da área. A descrição do que foi encontrado ali beira o dantesco. “Pessoas, e principalmente crianças, que, enroladas em trapos, jaziam nas calçadas suspirando de frio e fome, e o mais horrível é que em Rostoff, antes de chegarmos, houve casos improváveis de canibalismo. As crianças foram levadas no escuro da noite e, depois de cortar suas gargantas, foram colocadas em sal para comê-las. Era muito comum se alimentar quase exclusivamente de sementes de girassol, uma planta muito abundante na Rússia para extração de óleo”. Logo os jornais voltaram sua atenção para o enorme trabalho desses missionários, reproduzindo depoimentos e cartas. Apesar de um certo conflito que surgiu na relação entre os dois comissários, o trabalho dos Pes. Voltas e Elorz seguiram em frente sem serem influenciados por sua situação pessoal.
Em meados do ano de 1923 concluiu-se a tarefa dos Missionários Claretianos encomendada pela Santa Sé na Rússia. No início de julho, o cardeal Gasparri chamou os dois a Roma. No dia 16 de outubro, Pe. Nicolás García recebeu uma comunicação do Secretário de Estado que dizia: “Enquanto Pe. Pedro Voltas e Ángel Elorz deixam seus empregos na Rússia, onde em nome da Santa Sé realizaram uma das mais preciosas missões de caridade, Vossa Santidade quer que envie a Vossa Reverendíssima, e, em sua pessoa, a todo o benemérito instituto que você dignamente preside, o claro testemunho do Seu augusto prazer e da sua augusta complacência e de Sua paterna gratidão. Nos dois bons religiosos, tão felizes em cumprir o difícil dever com generosas disposições de sacrifício e amor, o Santo Padre teve a satisfação de contemplar uma nova prova do excelente espírito cristão que anima o Instituto. E neste espírito de esperança pelo bem das almas e pela própria prosperidade de Sua Congregação, o Augusto Pontífice tem o prazer de confirmar P.V. e a todos os seus irmãos a sua augusta benevolência, e com o seu coração comunica a vós, aos Pes. Voltas e Elorz, a todos os missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria, a Bênção Apostólica”.
Isso pode ser um testemunho não só de como a Congregação sempre esteve envolvida nas tragédias humanas da época, apesar de suas fragilidades, mas também do espírito aberto e disponível que soube manter ao longo de sua história para atender aos mais urgente, no momento oportuno e de um modo eficaz.